segunda-feira, 29 de julho de 2013

Empreendorismo - Mãos frias com cheiro a cardo

Maria do Céu Saraiva, queijeira, quase na brincadeira, respondeu ao desafio de um companheiro de jorna e foi mostrar à Casa da Ínsua que sabia fazer queijo da serra da Estrela. Hoje tem selo DOP. 

"Olhe que num noto!" Mas tem. Maria do Céu tem de facto as mãos frias, dentro da possibilidade de ter as mãos frias numa tórrida tarde de Julho em Penalva do Castelo. Tem-nas seguramente mais frias do que as nossas, lavadas de calor. É por estar calor que Maria do Céu está com a mão noutra massa que não aquela que lhe pede pouco sangue nos dedos. Apanhámo-la a apanhar cardos, ou melhor, a arrumar em caixas abertas as longilíneas pétalas roxas que lhe vão coalhar a obra. É de queijo que falamos, com selo DOP da serra da Estrela. 

O passado de Maria do Céu Saraiva tem 53 anos, três cancros, duas filhas, um divórcio e pais da lavoura. É do tempo deles que data o uso que deu às mãos frias. Não porque o fossem, mas porque a mãe queijeira da Quintela da Azurara, na Mangualde da outra banda do vale, adoeceu.

"Tinha alguns 14 anos" e a quarta classe, quando fez o primeiro queijo sozinha, a olho e com os utensílios que "estão para lá" na casa dos pais e que, promete, há de ir desenterrar. Porque o queijo que lhe sai dos dedos, hoje, não é nada que tenha que ver com o queijo feito a olho, cozido em banho-maria, coberto com uma manta velha, curado onde calhava, num fundo da cozinha que era "daquelas fundas".

Hoje, tem o fantasma da ASAE e uma balança para medir escrupulosamente o sal, o cardo, o leite. Seis litros por quilo de queijo, feito numa francela assética, um metálico retângulo inclinado em vez da redonda madeira da mãe, e enrolada noutro inócuo acincho, tudo manuseado por detrás de vidros. Maria do Céu está como numa montra, na silenciosa queijaria da Casa da Ínsua.

Penalva entrou-lhe na vida aos 18 ou 19 anos, em dote com a aliança que mais tarde rejeitou. E tirou-lhe o queijo, a princípio, que os cafés de que foi tomando conta desviaram-lhe a rota. A necessidade trouxe a queijeira até à Ínsua ainda nem a casa era o que hoje é. Vindimou, conheceu gente como ela, na jorna, e seguiu vida. Até que a terra dos Albuquerque passou a hotel de charme com a quinta revigorada. "Disse-me um rapaz que trabalhava aqui, 'ó velhota, tem que vir trabalhar para a Casa da Ínsua', mas eu só se fosse para fazer queijo..."

A primeira roda calhou-lhe bem e ficou, desde aí, a emprestar a frieza manual a uma das 14 marcas certificadas de queijo serra da Estrela e a ensinar os curiosos que queiram tentar e, na maioria dos casos, arruinar a possibilidade de um bom amanteigado. Porque é nisso que a as mãos frias que não sente fazem a diferença. Como um forno muito quente esturrica um assado mal cozido, o calor transforma um DOP num simples queijo de ovelha curado. Explica ela, que até tem fígado traiçoeiro e nem pode sonhar provar o que faz.



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