A indústria do leite infantil em Portugal viola a legislação sobre
publicidade aos substitutos do leite materno, sem que haja controlo das
autoridades, segundo um relatório da rede internacional pró-alimentação
infantil que é hoje apresentado.
"O cumprimento da legislação sobre o marketing de substitutos de leite
materno não é monitorizado, as violações à lei estão disseminadas e são
comuns", refere o relatório da rede International Baby Food Action
Network (IBFAN, na sigla inglesa) sobre Portugal, que será discutido no
Comité dos Direitos das Crianças, das Nações Unidas.
Segundo a coordenadora da IBFAN em Portugal, Jacqueline Montaigne,
durante cerca de dois anos a organização esteve atenta ao comportamento
da indústria dos leites artificiais e das fórmulas infantis (leite em
pó).
"Vamos expor práticas chocantes, ilegais e com grande falta de ética
que estão a ser usadas pelas companhias de leites artificiais", afirmou à
agência Lusa.
Distribuição de amostras gratuitas de fórmulas e de leites de
transição (a partir dos seis meses) em unidades de saúde ou de presentes
gratuitos e material promocional a mães e grávidas são algumas das
violações detetadas pela IBFAN ao Código Internacional de Substitutos de
Leite Materno.
"Não há monitorização da lei a nível nacional, apesar de haver
estruturas a quem reportar essas violações", como a Direção-geral de
Alimentação e Veterinária, a Autoridade de Segurança Alimentar e
Económica e a Direção-Geral do Consumidor, refere o relatório que é hoje
discutido.
Sobre a legislação portuguesa no que respeita ao marketing e
publicidade destes leites, que resultou da transposição de uma diretiva
comunitária, a IBFAN recomenda que seja "reforçada", de forma a estar
mais alinhada com o Código Internacional, de que Portugal é signatário.
"Há uma cultura de marketing agressiva e sistemática para vender e
distribuir leites de transição e infantis que tem desempenhado um papel
importante no consistente declínio da amamentação a partir dos seis
meses", critica o relatório.
Aliás, a rede IBFAN considera que a influência da indústria alimentar
para crianças nas linhas de orientação em Portugal e nos profissionais
de saúde ligados à nutrição "continuam a minar a amamentação".
Um exemplo dado no relatório é o do financiamento pela empresa Milupa
ao Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento da Infância, divulgado
no ano passado, que "promoveu e justificou o uso de leites de fórmula em
crianças a partir dos 12 meses.
A IBFAN considera que também as recomendações da Sociedade Portuguesa
de Pediatria (SPP) na área da nutrição infantil podem encorajar ao uso
de leites de transição até aos três anos.
Jacqueline Montaigne refere que a Organização Mundial da Saúde indica
que os leites de crescimento não são necessários para crianças a partir
dos 12 meses e critica que as recomendações da SPP tenham tido
patrocínio de uma empresa de leite artificial.
Num editorial escrito em outubro de 2012, após a publicação do texto
"Alimentação do Lactente" na Acta Pediátrica, a direção da SPP
esclarecia que o artigo era " totalmente independente", tendo sido
"elaborado com o maior rigor científico", e considerava não haver nele
"algo que possa levantar qualquer tipo de dúvida quanto à sua isenção".
Após alguns pediatras terem manifestado dúvidas ou reservas
relativamente à utilização do logótipo do Nestlé Nutrition Institute
(NNI) no suplemento da Acta Pediátrica, a SPP justificava que todos os
números da publicação contêm publicidade de empresas ligadas a produtos
farmacêuticos, nutricionais ou de cosmética, "em páginas separadas das
relativas aos conteúdos científicos".
"Como em qualquer publicação que sustente os seus custos de impressão
e distribuição por via de inserções publicitárias, estas inserções
publicitárias em nada se relacionam ou condicionam a idoneidade do
conteúdo dos artigos da publicação", garantia ainda a direção da
Sociedade.
No relatório do IBFAN que é hoje discutido no Comité dos Direitos das
Crianças mostra-se uma "significativa quebra" nas taxas de amamentação
entre os quatro e os seis meses em Portugal, que é em parte atribuída às
recomendações para iniciar a alimentação complementar.
Enquanto entre os dois e três meses de vida de um bebé ainda são mais
de 50% as mães que amamentam em exclusividade, entre os cinco e os seis
meses essa percentagem desce para os 22,4%.
Em Portugal, desde junho do ano passado, a rede IBFAN pretende
"melhorar a saúda das crianças e bebés, através da promoção, suporte e
proteção do aleitamento materno".
Segundo Jacqueline Montaigne, o trabalho desta rede não pretende ser
"uma guerra entre mães que amamentam e mães que dão leite artificial".
"Nós também lutamos e defendemos as mães que dão leite artificial,
porque têm o direito de ter informação correta baseada em ciência e
evidência sobre leite artificial", argumenta.
Fonte: Noticias ao Minuto
Sem comentários:
Enviar um comentário