João Wengorovius é publicitário, foi presidente da BBDO em Portugal e
gosta de cozinhar. Esteve no Algarve com alguns dos melhores chefs
"Pelas minhas contas, o Vila Joya conseguiu reunir 46 chefs e o equivalente a 61 estrelas Michelin nos 12 dias que durou o International Gourmet Festival, no Algarve. Como é possível trazer a Portugal a nata da gastronomia mundial para cozinhar?
"Pelas minhas contas, o Vila Joya conseguiu reunir 46 chefs e o equivalente a 61 estrelas Michelin nos 12 dias que durou o International Gourmet Festival, no Algarve. Como é possível trazer a Portugal a nata da gastronomia mundial para cozinhar?
Este ano não faltou sequer o novo número um do ranking do World’s 50 Best Restaurants, Joan Roca do El Celler de Can Roca.
Qual é o segredo que atrai, ano após ano, mais e melhores chefs ao nosso país?
Estive
lá com três chefs de três estrelas Michelin cada um. Joan Roca, Quique
Dacosta, do restaurante com o seu próprio nome em Dénia, perto de
Valência (que a propósito revelou que o seu nome é uma adaptação do
portuguesíssimo “da Costa” que os seus avós mudaram no tempo de Franco
com receio de ser percebidos como estrangeiros), e Pascal Barbot, do
L’Astrance, em Paris.
Nenhum deles o faz por fama, que já lhes sobra. Também não é o cachê que recebem que os fará mais ricos. Então o que os move?
Quando
entramos na cozinha vemos um batalhão de gente a trabalhar, ouve-se a
voz de Matteo Ferrantino, o braço direito de Koschina, a comandar as
operações, a confirmar com o chef convidado cada pormenor.
Com
antecedência, todos os ingredientes foram adquiridos, todos os pratos
estudados, todas as receitas discutidas. Foi pensado o vinho, foi
escolhida a loiça. E iniciada a cozedura do que tinha de ser cozinhado
lentamente. Se pensarmos que cada chef apresentará sete a 12 pratos
diferentes, dá para imaginar.
A logística e a organização
necessárias para montar uma experiência destas é impressionante. E a
equipa do Vila Joya é irrepreensível. O festival existe desde 2007 - são
já muitos anos a aperfeiçoar a máquina. Um chef que provavelmente chega
na véspera não está preocupado, sabe que vai correr tudo bem.
Profissionalismo,
é a palavra que me ocorre enquanto observo aquele encadeamento, chef
após chef, carta após carta, dia após dia. Quem cá vem sai daqui com
essa imagem de certeza.
Mas há mais. Quando idealizou estes
eventos, Koschina sabia que isto era essencial. Mas não basta, era
preciso mais para trazer cá os melhores do mundo.
Não é preciso
estar-se muito atento para perceber o que é. No meio daquele “relógio
suíço” não passam dez minutos sem se ouvir uma gargalhada geral, alguma
coisa que o chef disse, um comentário de Matteo ou de Paulo Luz, o chefe
de sala, ou Arnaud Vallet, o sommelier do Vila Joya.
Entre a
concentração e a descompressão está sempre subjacente um ambiente de
celebração. Esta gente gosta realmente do que faz. É só isso. Estão
todos cá por isso. A comemorar isso. Em séria brincadeira, se me é
permitido o oxímoro.
E, claro, há champanhe e festa. E amizade.
Não
se começa um serviço sem um discurso, não se acaba sem um brinde na
cozinha seguido de uma passagem efusiva pelas mesas de todos os
cozinheiros e pessoal de sala, em fila indiana atrás do chef convidado,
com o anfitrião Koschina à frente a fazer o que faz de melhor - a
festejar o momento.
“Primeiros os chefs, depois o cliente”,
disse-me uma vez Koschina para explicar a filosofia que orientou o
evento desde o início e que atrai cá tanto chef. Não é nenhuma
contradição ou falta de cortesia pelos clientes, é a formula para servir
melhor os clientes. Eu, como cliente, não me queixo.
Mas é também uma
fórmula para que as coisas se espalhem: influenciar os influentes.
Não
se sobem os degraus da alta gastronomia sem networking. Portugal e os
portugueses precisam de jogar esse jogo. Fui sabendo que muitos dos
chefs não se ficaram pelo Vila Joya, vieram a Lisboa e a outros sítios
conhecer melhor o que os nossos chefs andam a fazer. E gostaram.
De
volta à cozinha, assisto a um briefing ao pessoal de sala. O chef
Pascal Barbot explica cuidadosamente cada prato - como se chama, que
ingredientes leva, como servir. Para que possam fazer o mesmo às dezenas
de convidados lá fora nas mesas. Há dúvidas na tradução de um dos
peixes. “Dourada”, exclama alguém. Logo a seguir o chef quer saber como
se diz topinambour - “alcachofras-de-jerusalém”, responde Arnaud.
Enquanto
todos olham atentamente para o chef, eu olho para Koschina. O mentor
desta ideia, recuado e discreto cá atrás. O que estará a pensar? Que
valeu a pena, vale sempre a pena. Ele sabe que o festival não é só o que
os chefs cá trazem, é também o que levam.
Não contando com os que
já nos conhecem (os portugueses ou os chefs estrangeiros que cá
trabalham), certo é que a partir de hoje há mais 34 chefs de primeira
linha no mundo, que não vão esquecer Portugal."
Fonte: Dinheiro Vivo
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