quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Vila Joya: 34 coelhos de uma cajadada

João Wengorovius é publicitário, foi presidente da BBDO em Portugal e gosta de cozinhar. Esteve no Algarve com alguns dos melhores chefs 

"Pelas minhas contas, o Vila Joya conseguiu reunir 46 chefs e o equivalente a 61 estrelas Michelin nos 12 dias que durou o International Gourmet Festival, no Algarve. Como é possível trazer a Portugal a nata da gastronomia mundial para cozinhar?

Este ano não faltou sequer o novo número um do ranking do World’s 50 Best Restaurants, Joan Roca do El Celler de Can Roca. 

Qual é o segredo que atrai, ano após ano, mais e melhores chefs ao nosso país?

Estive lá com três chefs de três estrelas Michelin cada um. Joan Roca, Quique Dacosta, do restaurante com o seu próprio nome em Dénia, perto de Valência (que a propósito revelou que o seu nome é uma adaptação do portuguesíssimo “da Costa” que os seus avós mudaram no tempo de Franco com receio de ser percebidos como estrangeiros), e Pascal Barbot, do L’Astrance, em Paris.
Nenhum deles o faz por fama, que já lhes sobra. Também não é o cachê que recebem que os fará mais ricos. Então o que os move?

Quando entramos na cozinha vemos um batalhão de gente a trabalhar, ouve-se a voz de Matteo Ferrantino, o braço direito de Koschina, a comandar as operações, a confirmar com o chef convidado cada pormenor.

Com antecedência, todos os ingredientes foram adquiridos, todos os pratos estudados, todas as receitas discutidas. Foi pensado o vinho, foi escolhida a loiça. E iniciada a cozedura do que tinha de ser cozinhado lentamente. Se pensarmos que cada chef apresentará sete a 12 pratos diferentes, dá para imaginar.

A logística e a organização necessárias para montar uma experiência destas é impressionante. E a equipa do Vila Joya é irrepreensível. O festival existe desde 2007 - são já muitos anos a aperfeiçoar a máquina. Um chef que provavelmente chega na véspera não está preocupado, sabe que vai correr tudo bem.

Profissionalismo, é a palavra que me ocorre enquanto observo aquele encadeamento, chef após chef, carta após carta, dia após dia. Quem cá vem sai daqui com essa imagem de certeza.

Mas há mais. Quando idealizou estes eventos, Koschina sabia que isto era essencial. Mas não basta, era preciso mais para trazer cá os melhores do mundo.

Não é preciso estar-se muito atento para perceber o que é. No meio daquele “relógio suíço” não passam dez minutos sem se ouvir uma gargalhada geral, alguma coisa que o chef disse, um comentário de Matteo ou de Paulo Luz, o chefe de sala, ou Arnaud Vallet, o sommelier do Vila Joya.

Entre a concentração e a descompressão está sempre subjacente um ambiente de celebração. Esta gente gosta realmente do que faz. É só isso. Estão todos cá por isso. A comemorar isso. Em séria brincadeira, se me é permitido o oxímoro.

E, claro, há champanhe e festa. E amizade.

Não se começa um serviço sem um discurso, não se acaba sem um brinde na cozinha seguido de uma passagem efusiva pelas mesas de todos os cozinheiros e pessoal de sala, em fila indiana atrás do chef convidado, com o anfitrião Koschina à frente a fazer o que faz de melhor - a festejar o momento.
“Primeiros os chefs, depois o cliente”, disse-me uma vez Koschina para explicar a filosofia que orientou o evento desde o início e que atrai cá tanto chef. Não é nenhuma contradição ou falta de cortesia pelos clientes, é a formula para servir melhor os clientes. Eu, como cliente, não me queixo. 
Mas é também uma fórmula para que as coisas se espalhem: influenciar os influentes.

Não se sobem os degraus da alta gastronomia sem networking. Portugal e os portugueses precisam de jogar esse jogo. Fui sabendo que muitos dos chefs não se ficaram pelo Vila Joya, vieram a Lisboa e a outros sítios conhecer melhor o que os nossos chefs andam a fazer. E gostaram.

De volta à cozinha, assisto a um briefing ao pessoal de sala. O chef Pascal Barbot explica cuidadosamente cada prato - como se chama, que ingredientes leva, como servir. Para que possam fazer o mesmo às dezenas de convidados lá fora nas mesas. Há dúvidas na tradução de um dos peixes. “Dourada”, exclama alguém. Logo a seguir o chef quer saber como se diz topinambour - “alcachofras-de-jerusalém”, responde Arnaud.

Enquanto todos olham atentamente para o chef, eu olho para Koschina. O mentor desta ideia, recuado e discreto cá atrás. O que estará a pensar? Que valeu a pena, vale sempre a pena. Ele sabe que o festival não é só o que os chefs cá trazem, é também o que levam.

Não contando com os que já nos conhecem (os portugueses ou os chefs estrangeiros que cá trabalham), certo é que a partir de hoje há mais 34 chefs de primeira linha no mundo, que não vão esquecer Portugal."


Fonte: Dinheiro Vivo

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