Depois de concluída a modernização da adega em Reguengos de Monsaraz, o projecto avança na área do enoturismo
Chama-se
Carmim, como a cor vermelho vivo extraída das uvas, mas já não se
dedica só ao tinto. Nem ao vinho. Para optimizar recursos, a empresa de
Reguengos de Monsaraz está a alargar o seu portefólio e vai passar a
distribuir gin, vodka, champanhe, porto e outras bebidas. Mas não só.
Longe vão os tempos em que 12 produtores descontentes com o preço que
lhes era pago pelas uvas decidiram juntar-se e fundar uma adega
cooperativa. Hoje são mais de 1000 sócios, nas áreas da vitivinicultura,
da olivicultura, da ovinicultura e também da produção de cereais, e a
cooperativa adoptou uma gestão empresarial moderna, reforçada pelas
recentes aquisições da Monsaraz Vinhos, para o mercado interno, e da
Enoforum, para o mercado internacional.
Actualmente para vender vinho – ou para vender o que quer que seja – é
preciso ter jogo de cintura. E foi isso que o grupo Carmim pretendeu
ganhar. Em 2008 iniciou um projecto de investimentos ao abrigo do Proder
– Programa de Desenvolvimento Rural e, a uma média de um pouco mais de
um milhão de euros por ano, foi modernizando a adega, o armazém e a
distribuição.
O presidente do grupo Carmim, Manuel Murteira, resume a história:
“Foi uma mudança de filosofia completa, as pessoas não estavam
preparadas para isso. Tínhamos dez ou doze distribuidores e agora temos 6
mil e tal clientes”.
O investimento veio precisamente na altura em que chegou a crise.
“Começámos a ter dificuldade nas cobranças, alguns clientes não pagavam,
quando se ia lá na vez seguinte já tinham fechado portas, se não pagava
não podíamos deixar mais vinho... Uma confusão”, conta.
Manuel Murteira, que também produz uvas e é sócio da cooperativa,
lembra que “há muitas famílias inteiramente dependentes do desempenho da
Carmim”. Por isso era preciso ultrapassar alguns constrangimentos de
gestão.
Depois da compra da Monsaraz Vinhos, a distribuidora para o mercado
interno, foi a vez de olhar para o mercado internacional, o que levou à
aquisição, em 2011, da Enoforum, que tem como objectivo abrir portas nos
mercados externos.
A Monsaraz Vinhos já está paga, mas ainda falta amortizar uma
prestação da Enoforum, que custou 1400 euros e que ficará paga no final
deste ano, como previsto no contrato de compra/venda.
“A ideia é que as duas empresas comerciais sejam cada vez mais
empresas de portefólio alargado e distribuam nos canais onde vendem
vinho outros produtos do grupo Carmim”, afirma Manuel Murteira.
O objectivo é optimizar recursos e diluir custos, diz o presidente da
Carmim. “A electricidade vai aumentar, o gás vai aumentar e, se não
pagarmos, os fornecedores cortam. A sociedade Ponto Verde cobra uma taxa
obrigatória para recolher isto e aquilo, mas é de lei, não podemos
recusar. No entanto, se aumentarmos o preço do vinho proporcionalmente
desata tudo a barafustar ou deixa de comprar, porque não vendemos por
decreto”.
Assim, a Carmim passa a ter sob a mesma chancela, além dos vinhos
produzidos na sua adega cooperativa, produtos como vinho do Porto, marca
Pátria, Alvarinho, vodka da Lituânia, gin da Estónia, cachaça do
Brasil, brandy, rum, tequilha, espumante e até água.
Estas parcerias estabelecidas com outros produtores têm, sempre que
possível, uma contrapartida. No caso do vodka e do gin, os vinhos da
Carmim passam a ter a entrada facilitada no Báltico, por exemplo. “Estas
parcerias são também tentativas de abrir portas em mercados que nos são
mais difíceis e têm funcionado bem. Nós apoiamos as marcas nos mercados
em que somos fortes, por exemplo em Angola e no Brasil, e eles dão-nos
mercados onde têm maior sensibilidade, como o Leste europeu ou Israel”,
explica Manuel Murteira.
O director geral da Enoforum, Delfim Costa, tem um papel importante
na selecção destas bebidas. “Passamos seis ou sete meses em viagem e
acabamos por conhecer toda esta gente. Só para ter uma ideia, conhecemos
os produtores do vodka lituano no Vietname, onde estivemos numa feira
lado a lado. Eles passaram o dia a beber os vinhos da Carmim, e eu a
beber o vodka deles”.
As coisas correram tão bem que os responsáveis da empresa lituana –
que tem na Lituânia a maior fábrica de vodka do mundo – já estiveram
nas instalações de Reguengos a dar formação aos comerciais do grupo.
“Estamos muito satisfeitos, foi uma parceira fácil de construir porque
houve muita vontade de ambas as partes”, diz Delfim Costa.
Este ano a Enoforum terá ainda mais trabalho. É que o objectivo é que
as vendas no mercado internacional, que já representam 25% da
facturação do grupo, dupliquem em 2014.
Actualmente, a Enoforum já exporta para cerca de 35 países e tem
perto de 120 clientes. Os principais compradores estão em Angola, no
Brasil, no Polónia, na Rússia, em França, nos Estados Unidos da América e
na China. Mas há mercados sui generis. Delfim Costa sabe isso melhor do
que ninguém. “Uma empresa pode ter uma posição muito boa no mercado
russo. De repente, o governo daquele país – e já fez isto várias vezes
nos últimos anos –, decide mudar os selos das garrafas mas não os coloca
à venda no mercado. Durante seis meses, ninguém pode importar nada, o
que significa que perdemos seis meses de vendas. No Brasil, uma greve
dos portos três meses dá cabo da vendas”, exemplifica. E isto são
situações reais.
O modelo básico de funcionamento da Enoforum é com importadores
locais. As excepção vão para Xangai, onde existe um escritório há dois
anos, e em Singapura, onde foi constituída uma empresa em Julho. Nos
dois casos existe pessoal português e local.
“É preciso ter uma gestão muito táctica”, afirma Manuel Murteira. E,
como disse antes, não há muita margem de manobra. Pelo menos do lado da
receita. Para a Carmim, produzir uma garrafa de vinho teve, em 2013, um
custo de 75 cêntimos – rolhas, garrafas, electricidade, águas, etc. Só a
partir deste valor é que a empresa começa a ganhar dinheiro.
Azeite E e no turismo O grupo
Carmim também produz azeite. “Este é um sector muito difícil para nós,
com as variações que tem havido ao longo dos anos”, confessa Manuel
Murteira.
A cooperativa passou dos cerca de 500 mil quilos de azeite por ano
recepcionado para cerca de 2,5 milhões. “Temos uma estratégia para
vender uma determinada quantidade e estamos estruturados para isso. No
caso dos vinhos sabemos que a produção ronda os 20 milhões de quilos por
ano, que são cerca de 15 milhões de litros de vinho, e, em casos
pontuais e de acordo com as parcerias que vamos estabelecendo, vamos
adquirir vinho a outras regiões para optimizar as vendas. No caso do
azeite isso também poderá ser feito, mas gostaríamos de poder ter mais
alguma garantia”, diz.
Os 2,5 milhões de azeitona representam cerca de 300 mil litros de
azeite, ou seja, exigem uma postura diferente perante o mercados. “Somos
demasiado pequenos para determinadas acções mas, por outro lado,
demasiado grandes para outras. Ou estamos em nichos de mercado onde se
pode vender o azeite muito caro ou temos de vender grandes quantidades
para diluir os custos e optimizar ganhos”.
A questão, afirma o presidente da cooperativa, é que “neste momento
estamos no meio termo e, forçosamente, vamos ter de fazer alguma coisa e
está previsto fazê-lo através da Enoforum, no mercado externo. Muito
provavelmente vamos ter de fazer com os azeites o mesmo que estamos a
fazer com os vinhos e restantes bebidas, provar de outros, comprar,
estabelecer parcerias”, avança.
“O azeite está na moda, faz bem à saúde e sabemos que este segmento é
uma necessidade imperiosa e também um desafio. Está com uma tendência
de crescimento positiva e, ao mesmo tempo, seria uma forma de dar
resposta e garantir a sustentabilidade das explorações dos associados,
que são muitos na secção olivícola e dependem disso, embora muitos deles
tenham vinha além do olival. Sentimos que temos esta responsabilidade,
desenvolver este projecto de uma forma determinante”, afirma Manuel
Murteira.
Outra área muito importante para o grupo e uma das prioridades é a do
enoturismo. A Carmim adquiriu o antigo matadouro de Reguengos de
Monsaraz à câmara municipal e quer transformar as instalações, ainda
com vestígios muito acentuados da actividade para a qual foram criadas,
num espaço para realizar eventos e receber visitante, nacionais e
estrangeiros.
“A Carmim está inserida numa localização que eu diria estratégica
dentro do Alentejo, com o envolvimento de Monsaraz e do Alqueva. Este
seria o salto em frente, o passo definitivo”, acredita Manuel Murteira.
“Temos um espaço reservado para o enoturismo, com uma sala com
capacidade para 200 pessoas, onde realizamos diversos eventos, de
baptizados a festas de empresa e de Natal. Temos um serviço de catering,
mas não temos condições para nos manter abertos todos os dias,
incluindo sábados, domingos e feriados”, explica.
Monsaraz recebe todos os dias milhares de visitantes, cerca de 35 a
45 mil pessoas por mês. Manuel Murteira sabe que o Alentejo “está na
moda” e não quer desperdiçar esta oportunidade. No entanto, precisa de
capital para avançar e está à espera de receber cerca de 1 milhão de
euros do Proder, que deveriam ter sido pagos até ao final de 2013 no
âmbito da compra da Enoforum, mas que ainda não chegaram. Só que a
Carmim já avançou o dinheiro da terceira prestação da compra e está sem
fundos.
A este propósito, o presidente do grupo Carmim lembra o descabimento
do preço do dinheiro. “Em termos de juros, o que se pagava há cinco anos
atrás, antes da crise, era uma brincadeira, conseguíamos dinheiro a um
juro de cerca de 0,5%. Com a crise esse dinheiro começou a custar 6,5% e
agora, que as coisas estão a melhorar um pouco, os juros já estão nos
4,5%. Mas é para nós, porque há empresas que não conseguem financiamento
a preço nenhum”.
A par do projecto de enoturismo, existe também a intenção de expandir
a rede de lojas do grupo, a Castas e Castiços. Actualmente, conta com
uma loja em Monsaraz, outra em Reguengos e uma terceira em Arraiolos. O
objectivo é alargar a rede a outras zonas do país e talvez mesmo lá
fora.
“Ainda não demos esse passo fruto dos investimentos que temos tido a
nível tecnológico, na adega. Estas coisas vão ficando para o fim”. O
projecto de enoturismo já foi iniciado e é estratégico, mas tem sido
preterido em função daquilo que é o core business da Carmim, vender
vinho. “Mas temos grandes planos para o espaço do antigo matadouro, como
a exposição de vinhos, de azeites, o projecto de restauração e um museu
interactivo, vivo, em termos de multimédia”, garante o presidente do
grupo. A execução começará “logo que existam condições financeiras e
vontade, da direcção e dos associados. Acredito que durante o segundo
semestre deste ano possamos começar a fazer alguma coisa e dar o salto
em frente”.
Fonte: ionline
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