Numa década, aquele que é o sector que mais água consome no país reduziu
os seus gastos em cerca de 33% ao mesmo tempo que a produtividade das
explorações regadas subiu mais do que 30%. A eficiência na agricultura
deu passos importantes e quem continuar o caminho será recompensado no
próximo quadro comunitário de apoio.
Sol na eira e chuva no nabal. O velho provérbio já há muito se
concretizou, contornando as barreiras que o clima impõe a Portugal:
Quando as plantas têm melhores condições para crescer, devido ao sol e
temperatura, não chove; quando a água é abundante, não há calor nem
radiação solar que as convença a despontar. Com os projectos de regadio,
os agricultores trocaram as voltas ao fado e fizeram chover no estio.
Mas a torneira abria-se vezes de mais, mesmo quando não era necessário.
Uma enxurrada que começou a estancar há pouco mais de uma década e que
hoje já caminha para que se criem prémios de excelência para os mais
eficientes.
Foi um longo caminho e está
longe de ter terminado. Mas Portugal já figura entre os países onde
melhor se dominam as técnicas de rega, asseguram investigadores e
regantes. E quem o faz bem deve ser premiado, considera o Governo. É a
razão pela qual, no novo Plano de Desenvolvimento Rural, estará prevista
uma medida, no âmbito das agro-ambientais, de apoio financeiro para
quem rega com mais eficiência, uma espécie de certificação de que o
agricultor usa a água da melhor forma.
Mas como chegámos até aqui?
O certo é que até há 15-20 anos, abria-se a torneira e lá ia água. A
gestão era feita a olho — “parece seco, encharque-se”. Assim foi durante
décadas, qualquer que fosse o sistema de rega. As caldeiras em volta
das árvores empapavam, as regadeiras eram generosas na distribuição do
líquido. Mesmo os pivots, quando começaram a surgir, eram usados de igual forma — ligava-se até que a terra parecesse satisfeita.
Mas
foi o aparecimento destas estranhas articulações — que na paisagem se
assemelham a pontes suspensas — que mudou radicalmente a utilização da
água na agricultura. Uma aposta que começou no milho mas que rapidamente
se espalhou a outras culturas.
A mudança era imperiosa. A
agricultura é, de longe, o maior sorvedouro de água pois gasta entre 75 a
80% do volume consumido no país. Tão enorme consumo é associado a
desperdício, uma acusação que tinha muita razão de ser. Mesmo sabendo-se
que as críticas por vezes assentavam no desconhecimento de que o país
utiliza apenas 20% dos recursos hídricos que tem disponíveis, não
deixava de ser socialmente inaceitável que a abundância justificasse o
desperdício. Uma verdade ainda mais inquestionável em tempos de seca,
que afectam ciclicamente o país, em que a distribuição de água acaba por
obrigar a um rateio entre os vários usos.
Mas para quem rega
todos os dias, um outro problema acrescia: a quantidade de gente, de
sachinho em punho, que era necessária para abrir e fechar regos, um
trabalho de uma imensa paciência e de uma enorme voracidade de horas.
Não havia competitividade que aguentasse tais custos.
A revolução dos pivots
Até que começaram a surgir os pivots.
“Portugal acordou para o que podia fazer com a água”, descreve
Francisco Gomes da Silva, secretário de Estado das Florestas e do
Desenvolvimento Rural, e que dedicou boa parte da sua carreira de
investigador ao regadio.
“A gestão da água tornou-se mais
eficiente, começou-se a utilizar melhor tecnologia e os agricultores
aprenderam a usar mais eficazmente o recurso”, sintetiza José Núncio,
presidente da Federação Nacional dos Regantes (Fenareg).
O certo é
que há pouco mais de dez anos, o desperdício de água na agricultura
rondava os 40%. Agora, a ineficiência já baixou para os 37% e o
objectivo, traçado no Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, é
que, até 2020, as perdas não passem dos 35%. Porém, salvaguarda José
Núncio, “também não se pode dizer que toda a água é perdida, pois esta
recarrega os aquíferos ou alimenta as linhas de água”.
Segundo
Gomes da Silva, a agricultura de regadio, ao longo da última década,
“reduziu o volume global de água utilizada em cerca de 33% ao mesmo
tempo que a produtividade económica da água de rega subia mais do que
30%”.
Como? Antes de mais, graças à tecnologia. Hoje, os regantes
não usam apenas melhores equipamentos, usam informação que lhes diz como
fazer. Através de sensores no solo que medem a quantidade de água que a
terra nesse momento armazena, de estações meteorológicas que informam
sobre o clima e do cruzamento destes dados com outros sobre o tipo de
solo, a data da sementeira ou plantação e o equipamento de rega, o
agricultor é informado sobre quando e como deve regar.
São
informações que fazem toda a diferença: “Antes olhava-se para um solo
gretado e regava-se. Hoje, com a ajuda das sondas, sabe-se que nem
sempre um solo gretado significa que as raízes não têm água pois tudo
depende da profundidade a que esta está”, explica Gomes da Silva.
Da gota-a-gota ao alagamento
Nos
aparelhos de rega está outra das respostas na busca de eficiência:
muitas culturas, como os pomares, o olival, a vinha, as hortícolas,
algum milho e produtos como o tomate, o pimento ou a courgette para
indústria já usam a técnica mais eficiente de todas — a gota-a-gota ou
microaspersão.
Com estes equipamentos, a água corre por tubinhos e é
fornecida à planta cirurgicamente, à medida das necessidades. Serão
gastos nestas culturas entre 2000 a 3000 metros cúbicos por hectare.
A aspersão, protagonizada pelos pivots
ou canhões, continuou o seu caminho, conquistando territórios e
culturas. O milho, o sorgo, os pastos e as forragens são os grandes
utilizadores desta técnica. Gastarão entre 6000 a 7000 metros cúbicos
por hectare.
Finalmente, o alagamento. Utilizada sobretudo no
arroz, é das que mais obriga ao consumo de água mas esta cultura
necessita que assim seja uma vez que a água não é apenas utilizada para
matar a sede às plantas mas também como termoregulador e para combater
as infestantes, explica José Núncio. O consumo sobe para os 12 mil
metros cúbicos por hectare.
Segundo o presidente da Fenareg,
fazendo-se as contas ao consumo de água pela agricultura no país
conclui-se que o que chove dá para os gastos. “O que o regadio faz é
diferir no tempo essa utilização, através do armazenamento de água nos
empreendimentos hidroagrícolas”, adianta.
Abandono de terras pobres
Mas, além da tecnologia, um outro factor contribuiu para o aumento da eficiência da utilização de água na agricultura: o abandono de terras regadas com pouco potencial produtivo. “Historicamente, as barragens eram instaladas nos locais mais altos dos cursos de água para permitir que a água circulasse por gravidade por canais a céu aberto. Portanto, o perímetro de rega era delimitado apenas com um critério: até onde chegava a água, em vez de ser pela qualidade dos solos pois alguns deles não interessavam para regadio”, diz Gomes da Silva.
Hoje, 30 a
40% da área de regadio público (excluindo Alqueva) não é usada. Há
vários casos que ilustram esta situação. O perímetro de rega do Mira
inclui solos pouco interessantes para a actividade agrícola. Mas um dos
exemplos mais ilustrativos é o do Roxo, em que a albufeira servia apenas
os piores solos quando, a montante, estavam terras excelentes. Por
isso, pouco era utilizada até que a ligação a Alqueva permitiu que solos
como os de Aljustrel começassem a receber água.
Porém, defende
José Núncio, estes terrenos mais pobres não deveriam, pura e
simplesmente, ser abandonados: “Podem ser utilizados para floresta,
beneficiando da existência de água, não para a regar mas para a usar
cirurgicamente de modo a aumentar a produtividade”. As espécies de
crescimento rápido seriam as óbvias escolhas mas há outras espécies com
que se poderiam fazer experiências. Uma seria o sobreiro, para perceber
até que ponto a rega pode retirar anos à espera pela cortiça. Ou os
salgueiros, choupos ou freixos, destinados a biomassa.
Chegados
aqui, é caso para festejos? Ainda não. Resta muito por fazer para se
conseguir atingir a eficiência desejada. Segundo contas do secretário de
Estado, não será exagerar dizer que metade dos agricultores ainda rega
mal. É certo que ocupam apenas 20% da área agrícola mas é um campo que
tem de ser trabalhado.
Melhores técnicas, boa manutenção dos
equipamentos de rega ou pesquisa de plantas menos exigentes de água
permitirão atingir uma maior eficiência, algo que é atingível, considera
Gomes da Silva, que aponta para poupanças de 30% em dez anos.
Regadio é aposta para continuar
Assim como há ideias alternativas. No Sorraia, a associação de regantes avaliou a possibilidade de utilizar a água das estações de tratamento de águas residuais, para concluir que é viável. “Implicaria muita burocracia, pois são licenciamentos complicados, e exigiria que caso houvesse um problema na ETAR, o sistema fosse imediatamente bloqueado, mas não é impossível, em Espanha fazem-no”, diz José Núncio.
O
certo é que, por mais que a Europa tenha dificuldade em entender, o
regadio é para continuar e mesmo aumentar em Portugal. É essa a aposta
política, que tem sido difícil de defender junto de Bruxelas que não
percebe as condicionantes do clima mediterrânico. As discussões sobre os
fundos para a agricultura do próximo quadro comunitário de apoio
tiveram de ultrapassar as dúvidas levantadas pelas instâncias europeias
perante a convicção do Governo de que esta é a fórmula certa para
aumentar a competitividade do sector no país.
Será uma aposta
correcta? “A produção agrícola em regadio português permite a existência
de externalidades positivas. Comparativamente aos cenários alternativos
(importação ou sequeiro), a produção em regadio português apresenta
produtividades mais elevadas, permitindo uma libertação de área que
idealmente poderá ser usada para conservação da natureza”, lê-se num
estudo do Instituto Superior Técnico sobre as externalidades do regadio.
Quanto
“a questões associadas ao uso intensivo de fertilizantes, não são
assinalados problemas generalizados de poluição potencial das massas de
água. Em contraposição com a agricultura de sequeiro, o maior controlo
dos períodos de rega, associado a uma correcta gestão, pode permitir
também uma diminuição da lixiviação. Em termos de utilização de água,
para um ano médio, a escassez de água não constitui um problema.
Contudo, o mesmo não é verdade para ano seco”, alertam os
investigadores.
As negociações com Bruxelas não terminaram,
aguardando-se agora o acordo de parcerias proposto por Portugal que
passa por usar dinheiro de outros fundos — como o do desenvolvimento
regional — para financiar algumas destas obras. É o caso do Alqueva, que
o Governo defende poder ser pago com os fundos estruturais — ainda
faltam 300 milhões de euros para a sua conclusão.
O Mondego, Óbidos e alguns pequenos regadios são outros dos projectos à espera de luz verde sobre o seu financiamento.
Enquanto
isso, o regadio tem de continuar a ser cada vez mais eficiente: “Vamos
activar o Conselho Nacional do Regadio, onde se vai discutir o regime
jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas, que é muito antigo, e tem
de se lançar a discussão sobre o preço da água”, anuncia Gomes da Silva.
Certa
já é a recompensação financeira para os que regam bem: “Começa a
justificar-se que não possa regar quem quer, mas quem sabe”, tem
defendido o governante.
Fonte: Publico
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